Saudades daquela arte...

  Ah... Que saudade! Que saudade da arte do corpo, da expressão, do falar material da alma... Sim, amo os livros, contemplo a literatura. A arte da palavra. Mas não posso deixar de saudar carinhosamente a tão querida arte da dança. Há tanto tempo não a pratico regularmente... E minha alma vira e mexe sente saudades dos passos, do esforço, da dedicação, da expressão, da beleza... Talvez me seja uma aptidão particular. Se eu pudesse, aprenderia os mais variados tipos de arte. Iria à música, ao teatro, à dança, como atuante, personagem, como atuante no mundo especial, na esfera de alegria que se forma ao redor da contemplação da arte. E tem tanto tempo... Já não posso tocar, se não na arte das palavras. A arte solitária do escritor, do poeta, que preso em sua mente e em seus devaneios, cria seus mundos e situações. A dança também pode ser só, mas eu queria aprender a praticar aquelas que não sei como manda a tradição. Queria apreciar as danças orientais, observar a beleza da dificuldade disfarçada da dança do ventre, girar saias em meio a danças ciganas... Sentir a liberdade fluir em cada passo, e não viver mais como um pássaro engaiolado, que dentro de sua própria vida, não pode apresentar a arte que tanto ama. Aquilo que lhe ensinaram a amar desde tão cedo. Tento alcançar a dança, tento tocar sua superfície, mas volto para a realidade. Sei que os palcos não voltarão tão cedo. O frio na barriga das apresentações iniciais se refugiará em distâncias dentro do meu ser. E talvez, a dança adormeça de novo... Para em breve, ser despertada novamente dentro de mim.

   Parece injusto. Desde cedo, aprendi a amar a arte. Era o que eu respondia quando me perguntavam sobre o que eu queria fazer, queria ser artista. Só que hoje, isso tem uma conotação muito mais ampla para mim. Eu compreendo. Queria ser da arte. Da dança, da palavra, do teatro, da expressão da alma... A imitação da realidade que nos toca profundamente, seja como for, toma grandes sentimentos dentro de mim. Quisera eu, poder desfrutar mais intensa e amplamente desse mundo. Mas hoje, sou apenas das palavras. Desde pequena, aprendi a amar a dança. Dançava em grupos, aprendia passos, coreografias, e desfrutava a imensa felicidade da realização da dança. Eu aprendi a amá-la. Aprendi a fazer com que ela fosse parte de mim. No tempo em que me afastei, me senti incompleta. Mas retornei depois... A vez era da dança de rua. Os passos eram fortes em meio aos sentimentos, e a expressão queimava a atmosfera da apresentação. O impacto dos pés no chão era contagiante, as mãos ao alto eram expressão, os giros exalavam essência de diversos sentimentos e a música nos tocava lá no fundo... Era perfeito! Quem me dera poder voltar...

   E oportunidades de dança solo até aparecem, para apresentações. Só que eu não teria coragem... Só iria se fosse com alguém. Eu sei... Talvez eu só dificulte as coisas. Confesso que aproveito os momentos em que estou só para expressar a arte que pulsa dentro de mim de vez em quando. Danço sozinha, interpreto passos, expressões. Imito, crio... E sinto meu coração explodir ao ver apresentações. Sinto tanta falta... Aquelas poucas vezes na semana em que me dedicava a aprender uma coreografia, os inúmeros momentos de ansiedade para finalmente me apresentar... Mas quem diria, a arte ainda lá, era minha principal companhia. No meu segundo contato com ela, eu sei que era sozinha. Era eu e a dança em meio ao grupo. Eu me disfarçava, mas não me enturmava. Era só mais alguém querendo se encontrar. Alguém que sabia que seu lugar era na arte. Aquela menina em que ninguém prestava tanta atenção até o dia da apresentação. Aquela que não sabia nem fazia a menor ideia de quem era. Que tentava passar despercebida. Hoje eu sei quem sou. Encontrei meu lugar. Tenho confiança em mim mesma. E que diferencial eu faria hoje! Sei que me descobri, minha alma floresceu e está, é claro, em mutação constante. Mas floresceu, se transformou em algo muito melhor... Eu queria tanto ver a expressão dela na dança! Na arte da palavra? É isso que você está vendo, e um pouquinho mais... Talvez aqui, só haja aquele pedaço melancólico. Aquele pedaço que morre de saudades daquela arte... da arte da dança!