17 março 2013

Permita-se






  Ela acordou cedo e saiu para trabalhar, era só mais um dia como todos os outros. Saiu arrumada e disposta, pronta para ganhar a vida, como tem feito há anos. Conseguiu muitos progressos, se formou, conseguiu o emprego dos seus sonhos... Mas ainda assim faltava algo. Ela tinha amigas maravilhosas, que conquistou depois de muito sofrer decepções, tinha uma família dedicada, mas... Ainda assim, se sentia... Sozinha.
 Ela não devia se sentir sozinha, era uma mulher forte, bem resolvida, profissional e sabia que era muito amada. Mas não tinha jeito! De vez em quando batia aquele aperto no peito, aquela tristeza... E tudo o que ela queria era amar e ser amada por um homem... Doía pensar que ela se esforçou tanto em todas as suas conquistas, mas não achou seu amor. Sempre escolheu muito, pensou muito, arriscou pouco... E o que fazer? Como arrumar sua vida de um dia para o outro e tentar se feliz? Esperar mais? Ela sempre esperou, pensou demais, e olha no que deu, vai fazer trinta anos e ainda não tem ninguém. 



  - Anda Sara! Vamos logo! - Mary a chamou.
  Eram amigas há anos, e que amiga era Mary... Dedicada e amorosa, como era bom ter pessoas como ela na vida... Pessoas difíceis de achar, sim, mas a demora vale a pena.
  Elas estavam prestes a sair para um barzinho em Copacabana, Sara morava em um apartamento em Ipanema, que conquistou com muita luta, e só ela sabia como dar valor a ele. Doía em sua alma, ver aquela juventude que nascia ali e se achava melhor que alguém. Ah... Se eles soubessem como é difícil, e como é honroso conquistar tudo com suas próprias mãos! E isso não te faz melhor que ninguém. O lugar em que você mora, a roupa que você veste, como você fala, para que time você torce... Ela só queria que eles soubessem... Talvez um dia aprendam, afinal, a vida é uma escola.
  Quando chegaram ao bar, encontraram com outras duas amigas e começaram a conversar. Sara estava distante, pensativa... Ainda abatida pela solidão. Seu coração parecia pesado. Suas amigas notaram, mas não disseram nada, pois sabiam que só pioraria as coisas. Sara não gostava de falar sobre isso.
  Já no final da noite, um grupo de homens chegou ao bar. Sentaram na mesa da frente e começaram a conversar animadamente. Um deles era muito familiar para ela, mas Sara não conseguia se lembrar dele. Ele a encarava com os olhos carinhosos, ela se sentiu privilegiada e se deixou levar pela carência, correspondendo aos olhares. 
  - Sara, porque não vai até o balcão pedir um daqueles drinks que você gosta? - Mary sugeriu sorrindo maliciosamente.
   - Mas...
   - Sara, sem pensar, vai lá. Você não vai morrer por isso, vai por mim, isso só vai te ajudar. - A amiga ajudou-a a levantar e ela foi. 
   Pediu seu favorito e sentou para esperar. Ao se virar para ver seu admirador, ele não estava mais ali. Claro... No que ela estava pensando? Ia falar com ele e descobrir o homem da sua vida? Era só um cara no bar...

   - Com licença. - Era ele. Sim! Ele até ali para falar com ela, e sorrindo do modo mais lindo possível. - Sou Érick, e se eu não me engano, você é a Sara, não é? 
   - Sim, prazer. Como sabe meu nome? - Sara era toda sorrisos.
   - Já estudamos juntos.
   - Mesmo? Onde? Desculpe, eu não consigo lembrar.
   - No ensino médio. - Ele sorriu e sentou-se ao seu lado.
   - Nossa. Você era... Aquele que deu um show no professor de matemática na última aula do ano? - ele fez um biquinho.
    - Não me orgulho de ser lembrado por isso, mas é melhor que nada. - Que sorriso lindo ele tinha...
    - Desculpe, eu...
    - Ei, tudo bem, porque não conversamos mais, antes que você fuja de mim? Eu lembro, sabe? Sempre preocupada, sempre escapando da diversão.. - Sara deu um sorriso amargo. - Ei, é brincadeira. Pelo que vejo as coisas mudaram.
    - Bem que eu gostaria... Mas o máximo que me permito são essas saídas de vez em quando, mesmo assim por muita insistência das minhas amigas. - Érick assentiu.
     - Por quê?
     - Como assim "por quê"? - Sara nunca parou para pensar nos motivos que a levam a evitar tanto a vida.
     - Por que você não se permite sair? Por que tem medo de arriscar, de se divertir?
    - Não tenho medo! Ou tenho...? Espera aí, quem é você para me dizer do que tenho medo ou o que penso? Nem te conheço! Dá licença. - Sara levantou e Érick segurou seu braço.
     - Você acabou de dizer que "se permite só algumas saídas com suas amigas", então tem algum problema com relação a sair de casa e provavelmente do trabalho.
     - E você é o quê? Médico? Psicólogo? Veio conversar comigo para me avaliar?
     - Não, eu só... Só queria entender, porque desde que era jovem você fugia de todos que aparentassem interesse em você, e agora foge de mim. Continua sem sair... Qual é o problema? - O sorriso dele era gentil.
     - Não interessa. Tenho que voltar! Tchau!
 


     Sara saiu. Ele tentou a seguir, mas de todas as maneiras ela se esquivava. O orgulho era maior que a carência, maior que a necessidade de amor. Dentro de Sara, doía admitir que conseguia tudo, menos alguém para amar.
      Sua vida seguiu assim, sempre reclamando, sempre se sentindo só, triste... Mas admitir isso? Nunca. Admitir que estava se privando de viver? Jamais. Ela sempre criticou as pessoas que levavam a sério demais o trabalho e esqueciam da vida, mas no final, olha que irônico, virou uma delas. Orgulhosa, egoísta, dona da razão, sem defeitos...
       O final de semana acabou, e segunda-feira tudo começou de novo. Saiu pronta para trabalhar, animada para arrecadar mais, para mais conquistas. O problema, é que ela não percebeu que sua melhor conquista nunca aconteceu, nem aconteceria: viver e amar.



      Muitas vezes, o ser humano se confunde com uma máquina. Tem que trabalhar, arrecadar, gerar mais sempre, ter sucesso. E nada de se permitir sentir, viver, respirar, se acalmar. Tem que seguir os padrões impostos, pensar como a maioria, se "encaixar" na sociedade. Ter sucesso profissional. Sempre. Nada de deixar o julgarem mal... Onde já se viu? Se livrar das pessoas que atrapalham como se fossem objetos. Não perdoar, não dar amor... Sim, infelizmente muitas vezes as pessoas vivem assim. Só que esquecem que a felicidade não depende de "ter", mas sim de sentir e de ser.
 






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